Meu nome é Samantha
Lyterin, tenho 17 anos e a minha vida é uma droga. Minha mãe morreu quando
nasci e não sei nada sobre ela. Meu pai morreu com dois tiros na cabeça, dados
por um cara que foi contratado para matá-lo apenas porque ele bebia até
desmaiar num bar e depois não pagava. Eu tinha três anos quando isso aconteceu.
Fui mandada para um
orfanato e fiquei lá até eu ter minha primeira visão, aos nove anos. Acharam
que eu era louca quando contei, então me mandaram para um hospital
psiquiátrico, onde fiquei até os doze anos, ou melhor, até eu aprender a ficar
com o bico calado sobre tudo o que eu via. Depois de inúmeros tratamentos para
uma doença que não existia e várias tentativas de fugas, uma enfermeira teve
pena da pobre e louca órfã e me adotou.
Kathryn Mark era uma
mulher baixinha, gordinha e carinhosa, de fala mansa e olhar triste, que me
tratava com carinho. Eu e os quatro filhos que ela teve com o primeiro marido,
que morreu na guerra, morávamos em uma casa simples, onde não faltava nada. Eu
ia pra escola e ajudava a cuidar dos afazeres e dos meus novos irmãos: Jack e
Joseph eram gêmeos e tinham sete anos, Sophia tinha quatro anos e o pequeno
Benjamin, três.
Era uma vida boa, não
posso negar. Até minhas visões me deixaram em paz por um tempo, mas tudo mudou
quando Kath conheceu um cara no trabalho, Frank, um porco nojento. Os dois
tinham inúmeras brigas sempre por motivos idiotas, mas nunca vou me esquecer da
última...
Começou por um motivo
bobo, um copo de cerveja que Ben derrubou em cima de Frank quando passou
correndo pela sala e esbarrou na mesa onde o briguento e os amigos jogavam
cartas. Ele se levantou e pegou Ben, na época já com seis anos, pela gola da
camisa. Ele já estava com a mão cerrada prestes a dar um soco no menino, quando
eu corri e pulei em suas costas com o braço em volta de seu pescoço. Apertei o
mais forte que eu consegui e gritei pela ajuda de Kathryn. Com o susto, ele
soltou o garotinho e se jogou de costas contra a parede.
Bati a cabeça com força e
caí sentada no chão sentindo o sangue escorrer pelo meu cabelo, já prestes a
desmaiar, mas antes pude ver Kath correr na direção dele com uma faca tentando
acertá-lo na barriga. Com um movimento rápido, ele pegou a faca da mão dela e a
acertou no coração, girando a faca no lugar. Depois disso não vi mais nada, só
a escuridão.
Já faz um ano que isso
aconteceu. Kathryn Mark morreu naquele dia e Frank foi preso e condenado à
prisão perpétua. Os pequenos moram agora com o irmão dela, eu ia visitá-los
sempre que tinha folga no meu trabalho de caixa de supermercado. Acabei me
mudando para uma pequena pensão de garotas depois do incidente. Minha vida era
um tédio, a não ser por um pequeno detalhe: minhas visões estavam cada vez mais
frequentes.
Me lembro como se fosse
hoje do dia em que elas começaram. Eu tinha nove anos, era uma garotinha
inocente e blá-blá-blá. Eu pulava feliz pelo jardim do orfanato até tropeçar em
alguma coisa e cair de cara no chão. Comecei a chorar, o que acontece sempre
quando crianças caem e batem o nariz. Foi então que a vi. Uma pena negra.
Não daquelas de pombo ou
de pássaro, essa era diferente, era do tamanho do meu antebraço.
Eu a peguei e analisei,
afinal uma garotinha daquela idade não imaginaria que aquilo faria mal a ela.
Aliás, ninguém poderia imaginar. Foi então que aconteceu: eu tive uma visão.
PUF! Pisquei e eu estava em outro lugar. Uma sequência de cenas se formou em
minha cabeça. Só me lembro de flashes de luz e asas brancas e negras. Também
havia uma voz. “Samantha! Samantha, acorda! Preciso que acorde, Samantha!”.
Quando voltei a mim, estava no meio do jardim, encolhida, chorando e gritando.
Foi aí que minha vida
piorou. Desde que tive cabeça para pensar em tudo o que havia acontecido comigo
desde o início da minha vida, decidi que eu não iria me revoltar ou virar uma
delinquente como os outros por aí. É verdade que tive meu período de rebeldia
logo depois de conseguir sair daquele lugar infernal que era o hospital
psiquiátrico. Kath sofreu um pouco comigo, até andei roubando umas carteiras, o
que me rendeu alguns dias no reformatório, e não me orgulho disso até hoje, mas
posso dizer que foi uma experiência interessante. No final, Kath me ensinou que
devemos aprender a aceitar nosso destino e lutar para ter uma vida digna, então
resolvi ignorar minha visões e me dedicar aos estudos.
Tenho certo talento na
vida, era o que me diziam os professores da escola onde cursei o ensino médio,
e se é verdade que tirar dez em Botânica, Biologia, Anatomia e essas coisas é
ter talento, então eu sou merecedora de um prêmio Nobel. Porém, sou boa apenas
em matérias que falam sobre toda a espécie de ser vivo, nada de Matemática,
Economia e coisas assim. Motivo pelo qual os outros zombavam de mim, diziam que
só era boa nessas matérias porque para fazer poções e bruxaria era necessário
saber bastante sobre seres vivos. Eu não tinha muitos amigos, aliás, não tinha
nenhum. Eu era daquelas garotas que sempre sentam num canto do refeitório para
ler livros sobre plantas, vestindo-se de um jeito esquisito.
Era assim que eu vivia:
trabalhava no mercado de manhã, depois ia pra escola e voltava para meu quarto
na pensão, onde ficava o resto do dia pensando na droga da minha vida. O quarto
era enorme, com grades nas janelas, pois a dona dizia que nós vivíamos num
mundo muito perigoso para as mulheres. Ele tinha uma decoração brega, papel
florido demais nas paredes, móveis que estavam muito velhos e que um dia já
tinham sido brancos e minha cama tinha um edredom floral vermelho e preto que
pinicava muito.
Minha vida começou a mudar
quando um certo dia fui abordada no final da aula pela minha professora de
Biologia. Ela me perguntou sobre minhas aspirações do futuro, “me livrar dessas
malditas visões” era o que eu queria responder, mas me contentei em apenas
falar um “eu não sei”. Então ela me disse que tinha entrado em contato com um
amigo, reitor de uma pequena universidade da cidade, e que ele tinha visto meu
histórico escolar e me oferecido uma bolsa integral no curso de Biologia, com
direito a uma renda mensal para algumas despesas e um quarto no campus da
faculdade.
Foi assim que meus dias
como caloura da Universidade Sant’ France começaram, e não, não consegui entrar
em nenhuma fraternidade e nem em nenhum grupo de nerds. Continuei sendo a
menina deslocada que senta sozinha no refeitório.
Eu passava grande parte do
meu tempo livre em uma estufa que havia nos arredores da faculdade. Quando a
encontrei por acaso em uma das minhas caminhadas procurando um lugar tranquilo
para estudar, ela estava completamente destruída e as flores, murchas. Depois
de alguns meses de dedicação de minha parte, ela estava praticamente nova,
cheia de flores e cores para todos os lados.
Geralmente eu ficava lá
para não ver os vultos que me assombravam em outros lugares. A estufa era o
único lugar em que eu encontrava um pouco de paz. Nunca tive um diagnóstico
exato, eu havia pesquisado em todo o tipo de livro de anatomia, até de
botânica, com medo de ter ingerido algo que me deixou louca, mas não havia
nada, nunca.
Minha rotina se resumia a
me levantar todos os dias às cinco horas da manhã, as aulas começavam às seis,
terminavam às três da tarde, tínhamos dois intervalos de meia hora.
Depois começavam as aulas
extracurriculares, você podia fazer do que quisesse: culinária, botânica,
desenho, música, basebol etc. Eu fazia duas: Botânica e Astronomia, que era
outro assunto que me fascinava.
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